Em uma cena simples: a mãe vê, através da janela de vidro, o filho chegando por uma rua sem buracos. O recebe na porta da sala com móveis novos e o convida para comer mandioca frita na cozinha. Ele vai ao banheiro e lava as mãos antes de sentar-se à mesa.Pronto. Esta cena não seria possível sem a participação de caminhoneiros de diversos segmentos. Railton Jesus dos Santos, de 50 anos e 25 como caminhoneiro, seria o responsável pelos vidros da janela. Motorista autônomo, agregado a uma grande empresa, transporta vidros de Jacareí para a capital de São Paulo em seu Volkswagen 19.320. “É meu e do banco,” brinca ele falando que ainda precisa acabar de pagar e para isso trabalha muito. Às 11 horas da manhã estava descarregando 24 toneladas de vidros em São Paulo, depois de sair de casa, em São José dos Campos, às 5 horas da manhã sem ter tido tempo de tomar café. Depois que a operação estiver completa, ele volta para Jacareí, carrega de novo, e vai para Itaquaquecetuba, interior de São Paulo. Em São Paulo, o descarregamento foi complicado, pois a entrada da empresa era muito estreita. Apenas com a ajuda de outra pessoa ele conseguiu manobrar e colocar a carreta na posição correta. O transporte de vidros exige uma carreta especial. A suspensão é pneumática, com bolsas de borracha que absorvem todas as imperfeições das ruas. Os vidros são colocados em cavaletes que são encaixados na carroceria por meio de um trilho. Uma vez encaixado, o cavalete é suspenso e preso, se tornando o “piso” da carreta. Para dar maior segurança, apoios laterais pressionam as placas de vidros umas contra as outras, tornando o conjunto um bloco uniforme e bem seguro. Para descarregar é o inverso. Os apoios laterais são retirados, o cavalete desce até o chão, o motorista desloca a carreta para frente e o cavalete fica livre para ser descarregado. Às vezes, quando tem cavalete pronto, com os vidros, Railton deixa um e carrega outro. Para as entregas em São Paulo, é preciso agendar com muita exatidão, para poder passar pelas marginais antes das 9 horas da manhã. Além disso, é preciso ter muito cuidado com os carros pequenos. “Tem carros que colam na lateral direita e a gente tem que ficar atento para não passar por cima,” explica Santos. “Tem motorista que fica do lado direito, encostado na gente e não sai, parece que quer aproveitar a sombra do caminhão. Mas o pior é aquele espertinho, ou sem noção, que ao abrirmos para fazer uma curva, ele pensa que estamos dando passagem e se mete no meio.” Durante a greve Railton Santos estava em casa. Como ele é agregado a uma empresa, não sentiu diferença no tabelamento do frete. “Para mim é bom o tabelamento porque existirá uma regra para cumprir,” prevê ele. “Se o caminhoneiro aceita um frete abaixo da tabela, não terá como voltar. Não se pode aceitar menos do que o tabelado porque todo caminhoneiro tem família para sustentar e caminhão para fazer a manutenção. Quem cobrar menos, em pouco tempo estará fora do mercado por que acabará com o caminhão e não terá como comprar outro.”
Ele lamenta a falta de participação da população na greve. “Quem estragou a greve foi a população que quis abastecer com gasolina a R$ 10,00 o litro,” diz chateado. “Tinha que deixar a gasolina no posto. Essa gasolina, se ficar muito tempo no posto, apodrece. Os postos teriam que vender a um preço justo. Mas o povo não teve consciência, união e sabedoria.”Railton Santos pede licença, pois está na hora de seu almoço e ele está com fome. Antes de ir, passa corrente e cadeado envolvendo a bateria do seu caminhão para evitar que seja furtada.
Durante a greve, Ramiro e Silva ficaram parados em casa. Para eles, o tabelamento é muito bom, desde que seja cumprido, o que, segundo eles, não está acontecendo. “A tabela não é ótima, mas é suficiente para cobrir os custos com uma pequena sobra,” explica Silva. “Com os preços dessa tabela, você pode pegar a carga para qualquer lugar, mas se pegar com um preço abaixo da tabela, vai ter que tirar dinheiro do bolso”.Ele afirma que trabalhar abaixo da tabela não é vantagem porque não sobra dinheiro pra manter o caminhão e viver. Ele espera que seja cumprida e que a ANTT crie um organismo para fiscalizar e puna quem contratar e quem aceitar um frete mais baixo. Se a tabela é algo estabelecido por lei, quem não a cumpre está ilegal, merece punição. E ele dá exemplo. “Eu exijo que seja pago o preço da tabela,” garante Reginaldo Silva. “Desde que foi pré-determinada, só carrego pelo preço fixado nela. Tem muitas empresas que não querem pagar o frete na tabela, mas também tem muitas que estão pagando. O que não pode é o motorista aceitar menos”.
Durante a greve ele ficou em casa e diz que, como empregado, a variação do frete não o afeta. E, ao contrário da maioria, pensa que o frete não deveria ser tabelado. “Acho que deveria ser determinado pela livre concorrência, porque todo mundo sabe quanto o caminhão custa, quanto gasta, o preço do pedágio e do diesel,” explica ele ao afirmar que trabalhar abaixo da tabela não adianta.Costa não tem muito entusiasmo em comprar seu próprio caminhão. “Comprar caminhão às vezes não compensa porque o mercado sobe e desce,” afirma ele. “É melhor trabalhar de empregado e ganhar mais ou menos, mas com certeza, do que tentar ganhar muito comprando um caminhão e acabar se dando mal.”
“O preço do pedágio melhorou, mas já aumentaram o valor. Como sou empregado, o preço do frete não interfere diretamente. Porém, melhorando o valor do frete o patrão terá condições de dar uma manutenção melhor no caminhão, pneus novos, de repente até comprar um caminhão novo e isso será melhor para mim. Por isso acho que valeu a greve”Mas ele ainda reclama da falta de incentivo para a profissão de caminhoneiro. “Somos tratados como lixo. Não só pelo Governo, mas por toda a população. Para entrar em São Paulo é uma burocracia para tudo,” lamenta Romero. “Tem pátio sobrando por todo lado, mas eles cobram e somos obrigados a pagar por que temos que esperar os horários. Se ficar na rua ou é assaltado ou multado. O Governo colocou pressão nos grevista estabelecendo uma multa astronômica, impagável por que ninguém tem dinheiro. Tem caminhão se desmanchando pela estrada.”
“Acordo às 3h30 para pegar trânsito livre e fugir das restrições. Mas a maior dificuldade são os guardas. Eles não podem ver uma prancha que já saem procurando algo errado,” lamenta Marinacci. “Sempre acham algo ‘errado’, como excesso lateral, de comprimento e até de peso, mesmo sem ter balança.”Além disso, a população não reconhece o trabalho que ele e seus companheiros estão executando. “Elas reclamam quando estamos trabalhando por causa do barulho. É sinal de marcha ré, a máquina que pesa 70 toneladas, quando se movimenta faz barulho. A vizinhança grita, joga ovo, e a gente só pode pedir desculpas e tentar fazer o serviço o mais rápido possível. Toda a operação de carga e descarga acontece em no máximo 30 minutos quando tudo dá certo”. Durante a greve ele não trabalhou. “O frete influencia no meu salário porque eu ganho comissão. Se o frete baixar eu ganho menos,” compara Marinacci. “O tabelamento do frete é interessante, mas tem que ser bem feito e não de qualquer maneira. Peso nunca foi frete. Tem que se basear na tonelada, mas com um preço justo.”
Ele afirma que uma caçamba de 14 metros carrega 20 toneladas e ele, com sua prancha carrega uma máquina que pesa 25 toneladas, podendo chegar a 70.”Marinacci diz que para o transporte com prancha o tabelamento não funciona porque existem muitos fatores envolvidos, como escolta, batedores e policiais. O costume é calcular o que se gasta e multiplicar por quatro, em caso de descida de serra, por cinco. O caminhão utilizado neste tipo de operação, carregado, consome um litro de diesel por quilômetro. Apesar de amar a profissão, entender tudo sobre mecânica e conhecer bem as estradas, Marinacci não pretende comprar um caminhão. “Não compensa comprar caminhão,” diz meio desapontado. “O frete é baixo, o diesel caro, a insegurança nas estradas é muita e ninguém dá valor aos caminhoneiros.”
“Caminhão próprio não compensa, por causa da terceirização,” explica ele. “Eu não consigo pegar frete direto de uma empresa que não quer assumir riscos e repassa o serviço para um terceiro. Esse terceiro não faz nada, mas fica com boa parte do frete para resolver os problemas que ocorram. Com isso, o frete para o caminhoneiro fica reduzido.”Ele transporta água retirada de poço artesiano com um Volkswagen 24.250 com um tanque com capacidade para 20.000 litros. Depois de acordar às 5 horas da manhã e fazer três viagens até um condomínio, aguardava acabar o horário da restrição de circulação dos caminhões (10 às 14 horas). Depois das 14 horas, voltaria para a base, encheria o tanque e voltaria para completar os 80.000 litros solicitados pelo cliente para encher uma piscina que tinha sido reformada. A água entra no tanque por gravidade por um cano de 4 polegadas (10,16 cm). Para descarregar, um cano é conectado ou na frente do caminhão ou na sua lateral. O motor do caminhão é ligado, engata-se uma marcha, depois a tomada de força, coloca-se o motor em ponto morto e a bomba empurra a água. “Isso para prédios de até 10 andares,” explica Jair Rodrigues dos Santos. “Para prédios maiores, usamos uma bomba elétrica que tem potência para empurrar a água em prédios de até 30 andares.” Parece simples. E é, porém, quando é preciso levar água para prédios em construção o trabalho é mais difícil. Isso porque é preciso levar uma corda até o topo do prédio e de lá, ir puxando mangueira por mangueira e engatando uma na outra até completar a altura do prédio. Normalmente esse serviço é feito pelo poço do elevador. Durante a greve, Santos atendeu apenas os clientes que estavam muito próximos da base. Para ele, se a tabela de frete for atualizada, irá melhorar a situação. “Ganhamos um salário fixo mensal, mais comissão por entrega e horas extras quando precisamos passar o horário. Além disso, se passamos mais do que três horas do horário, a empresa paga janta,” diz o caminhoneiro. “Se a tabela de frete for aprovada, o frete será melhor e nossa comissão também será melhorada.” Nós podemos até não lembrar, mas o trabalho dos caminhoneiros sempre está presente em nossas vidas.
A minha empresa, a Transportes Kapp, nasceu em 2003. Tenho ela há 15 anos, o mesmo tempo em que sou cooperado da Coopercarga. “Tem um fato que marcou bastante a minha vida profissional”, diz Kapp revelando que foi quando deu uma entrevista para o Clube Irmão Caminhoneiro. “Marcou-me muito, pois foi gravada na minha casa”.Apesar das dificuldades da profissão Gilmar Kapp está satisfeito com ela. “O conhecimento do dia a dia, é uma verdadeira escola”, diz. Mas, a saudade de sua família fala mais alto quando revela o lado ruim da profissão. Casado com Dilva Kappo, o casal tem dois filhos: Gilmar Alexandre Kapp Junior, 32 anos e Nadine Kapp, 25 anos. A família Kapp é muito unida e sempre lhe deu apoio, sobretudo, sua esposa. “Hoje, eu e ela cuidamos da nossa empresa”, diz orgulhoso. Quando estou viajando dirijo o Scania G400 2013, com carroceria sider, transportando carga seca. Ele sente dificuldades para o transporte dessa carga na hora de entregá-las. “Acontecem problemas com notas erradas e mercadorias trocadas. O cliente manda errado e tem que esperar ajustar tudo e isso leva tempo”. Aproveitando o Dia do Motorista, Kapp faz um pedido: “Que o Governo olhasse para nós. Paralisações não são necessárias se ele parar e olhar para o caminhoneiro, dar mais condições. Hoje gastamos muito dinheiro com seguro, dinheiro que poderia ser aplicado em outras coisas. Os motoristas possuem muita insegurança com o Governo, são muitos impostos, pedágios. Precisamos do apoio para que eles olhem mais para nossa classe”, comenta Kapp.
Quanto à tabela de frete, o caminhoneiro conclui: “Em minha opinião precisa haver fiscalização. Se fiscalizarem todos serão obrigados a seguirem a tabela”.
Ele tem orgulho de sua profissão e do tipo de carga que leva: “A recuperação do material após o consumo ajuda a diminuir o volume de detritos a ser descartado em lixões e aterros sanitários já saturados”.Caminhoneiro há 12 anos, Nascimento aprecia, também a maneira de estar livre, em estradas, fazendo amizades, conhecendo pessoas diferentes e ganhando novos conhecimentos. Caso com Marly Nascimento, o caminhoneiro que adora a natureza dá uma aula sobre reciclagem: Reduzir significa diminuir a quantidade de lixo residual que produzimos. Os consumidores devem adotar hábitos de adquirir produtos que sejam reutilizáveis, como por exemplo: guardanapos de pano, sacos de pano para fazer suas compras diárias e embalagens reutilizáveis para armazenar alimentos ao invés dos descartáveis. Reutilizar é utilizar várias vezes a mesma embalagem, por exemplo. Com um pouco de imaginação e criatividade podemos aproveitar sobras de materiais para outras funcionalidades, como: garrafas de plástico, vidro para armazenamento de líquidos, e recipientes diversos para organizar os materiais de escritório. Reciclar é transformar o resíduo antes inútil em matérias-primas ou novos produtos, sendo um benefício tanto para o aspecto ambiental como para o energético. Depois dessa lição de conhecimento no assunto, Nascimento aproveita para homenagear seus colegas caminhoneiros: “Que Deus e Nossa Senhora interceda a todos os motoristas, dando-lhes segurança nas estradas”.
Sempre quando viaja leva em seu coração a sua família. “Minha mãe Floripes, meus irmãos Miguel, Marta, Claudio e meus filhos Juliano, Gabriel e Rafael se sentem bastante felizes e orgulhosos com a minha profissão”, diz Angela."Se hoje tivesse que pedir a São Cristóvão, protetor dos caminhoneiros, um pedido, seria: segurança a todos motoristas e ter o meu próprio caminhão. Quem sabe?”, diz sorrindo. Nós podemos até não lembrar, mas o trabalho dos caminhoneiros sempre está presente em nossas vidas. Por isso, quando você estiver em um restaurante envidraçado, comendo mandioca frita, em mesas bonitas e for lavar as mãos com água e sabonete, ou ver uma embalagem lembre-se do Railton, do André, do Reginaldo, do Robson, do Roberto, do Bruno, do Jair, do Gilmar, do Davilyn, do João, da Angela e de muitos outros caminhoneiros que trabalham para o seu bem-estar.
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