Após servir almoço aos últimos 3 dos 12 clientes de seu restaurante em Santa Luzia, interior do Pará, Seloi Primo, 55 anos, recosta-se numa cadeira de balanço na varanda.
É tarde de quinta-feira (9). A comerciante olha para a silenciosa paisagem à sua frente, onde há soldados do Exército de sentinela sob uma barraca montada à frente da rodovia BR-163, que liga o Mato Grosso ao Pará.
Eles estão ali para controlar a circulação de caminhoneiros que levam soja para a exportação. Por 20 minutos, nenhum veículo passa.
Uma semana antes, no mesmo ponto começava uma fila de quase 50 quilômetros. A Folha percorreu o local na semana passada.
"Isso aqui virou um inferno. Era pra mais de cem pessoas aqui a essa hora", diz Seloi, gaúcha que migrou há 26 anos para a região.
A estimativa das autoridades é que quase 5.000 caminhoneiros tenham ficado parados, alguns por até 20 dias, por causa de atoleiros num trecho de 37 quilômetros dessa rodovia, que tem mil quilômetros só no Pará. Algumas cidades ficaram sem comida e água no período.
Até então, em média 600 caminhões saíam por dia do Mato Grosso em direção a Miritituba, distrito de Itaituba (PA), onde cinco terminais portuários são usados para escoar a soja via barcaças pelo Rio Tapajós, até Santarém (PA), de onde segue de navio para outros países.
Ao custo de até R$ 1,5 bilhão cada, os terminais privados iniciados nessa década já ficaram prontos.
Mas a rodovia pública, cujo projeto de asfaltamento começou antes do ano 2000, ainda tem pelo menos 189 quilômetros não asfaltados, quase 100 quilômetros deles até Miritituba. Ela vai custar mais de R$ 2 bilhões.
Segundo Edeon Vaz, do Movimento Pró-Logistica do Mato Grosso, a capacidade dos terminais em Miritituba é de 16 milhões de toneladas por ano, cerca de 30% das exportações brasileiras.
Mas transportadores não querem mais ir para lá. "O pessoal assustou", diz Cosmo Barbosa dos Santos, 38, que perdeu 20 dias na rodovia.
O número de veículos na semana passada era menos de um quinto do que chegava até o início dos atoleiros. Pátios para abrigar mil caminhões estavam vazios.
Os poucos que se arriscam contam que, mesmo com os problemas, a rota Mato Grosso-Pará é a única que ainda dá para ganhar dinheiro.
Cada caminhão bitrem transporta quase 50 toneladas de soja, recebendo entre R$ 170 e R$ 200 por tonelada do produto, a depender do local onde a carga é coletada.
Até os terminais de Miritituba ficarem prontos, a principal opção era descer para Santos (SP) ou Paranaguá (PR). Para essas cidades, o frete fica em torno de R$ 300 por tonelada, mas com 2,8 mil quilômetros de estrada.
"Aí você gasta mais diesel, pneu, freio. E pedágio", diz o caminhoneiro Marcelo Ferreira que estima em R$ 1 mil somente as tarifas.
Se os cerca de 500 caminhoneiros que seguiam por dia para o Pará forem para o sul, o custo para levar a soja até esses portos fica R$ 2,5 milhões por dia mais caro em comparação com Miritituba.