A história da indústria de caminhões no Brasil é marcada por uma evolução notável no design dos veículos, influenciada por regulamentações, necessidades de mercado e avanços tecnológicos.
As mudanças no design estão diretamente relacionadas à legislação, à busca por eficiência energética e à demanda por segurança e conforto. Além disso, as novas tecnologias, como eletrificação e células de combustível, moldam o futuro do design de caminhões.
A Mercedes-Benz chegou ao Brasil na década de 50, trazendo da Alemanha o modelo L-312 apelidado de “Torpedo”. Nas décadas de 60 e 70, os caminhões ainda eram desenhados pela Alemanha. O modelo AGL era caracterizado pela cabina semiavançada (capô médio), linhas curvas e elementos não integrados à cabina, como os faróis redondos e o para-choque. A partir da década de 80, após inaugurar no Brasil o primeiro Estúdio de Design da Mercedes-Benz fora da Alemanha, os caminhões passaram a receber um “toque latino” com a chegada do primeiro “cara preta”, com os faróis passando a ser integrados à grade do veículo.
A década de 90 foi marcada pelo aumento da autonomia do Brasil no desenvolvimento de caminhões. Os famosos caminhões bicudos passaram a ser uma exclusividade no País, com design voltado totalmente para o público nacional. As linhas curvas foram substituídas por linhas mais retas em forma de cunha.
Segundo Roberto Leoncini, vice-presidente de Vendas e Marketing Caminhões e Ônibus da Mercedes-Benz do Brasil, nos anos 2000, devido à globalização de produtos, o Brasil voltou a fabricar veículos desenvolvidos na Alemanha, mais modernos e tecnológicos.
“Foi uma era marcada pela cabina avançada (sem capô), visando maior aproveitamento no comprimento da carga. Também foi quando os veículos passaram a ter nomes: Accelo, Atego e Axor. No final da década de 2010, os produtos voltaram a receber diferenciação no design para atender melhor às necessidades específicas do mercado brasileiro, tanto de estilo quanto de funcionalidade”, diz Leoncini.
Atualmente, a Mercedes-Benz define um novo marco na linha de produtos com a chegada do novo Actros e do Arocs. Com design mais racional, suas linhas foram criadas para promover melhor eficiência aerodinâmica e maior conforto ao motorista.
Roberto Leoncini explica que o processo de criação é baseado nos quatro pilares da Mercedes-Benz Trucks: Sustentabilidade, Inovação, Paixão e Parceria.
“O design será fortemente influenciado pelas novas tecnologias, como a eletrificação e a célula de combustível, fazendo com que conceitos ainda mais minimalistas dominem o design da mobilidade”, comenta Leoncini.
Fatores
Conforme Alekson Felício, gerente de Engenharia de Vendas e Planejamento de Produtos da DAF, o mercado brasileiro de caminhões está intimamente ligado à evolução do design de produtos como um todo, que, por sua vez, está intrinsecamente relacionada à evolução dos materiais e dos processos produtivos. Essa evolução visa aprimorar cada aspecto do desempenho do caminhão, abrangendo desde a capacidade de carga até a potência, robustez, durabilidade e eficiência energética, entre outros atributos essenciais.
No Brasil, especialmente no início dos anos 90, predominavam os caminhões com design "bicudo", um estilo ainda presente em outros mercados, como o americano e o australiano, locais cuja legislação considera somente o comprimento do implemento. No entanto, o Brasil adotou a legislação europeia, levando à transição para o design conhecido como "cara chata". Nesse design, a cabine é posicionada sobre o motor, o que possibilita uma plataforma de carga mais ampla, já que a medição total do veículo, incluindo o comprimento máximo, é feita de para-choque a para-choque. Essa mudança de paradigma foi fortemente influenciada pela legislação brasileira adotada na época.
Ao longo do tempo, outras alterações no design dos caminhões estiveram diretamente relacionadas às mudanças na legislação. Um exemplo disso foi a transição do padrão Euro5 para o Euro6, que teve um grande impacto na indústria. A DAF se destacou como fabricante ao introduzir esse modelo antes da mudança regulatória, minimizando assim os impactos causados pelo novo padrão de emissões. Portanto, quando discutimos o design de caminhões, é crucial considerar todas essas mudanças que estão intrinsicamente ligadas aos avanços regulatórios e às necessidades do mercado.
"Os veículos com níveis de emissões mais elevados necessitam de radiadores maiores, o que, naturalmente, requer uma grade frontal de maior tamanho para um resfriamento mais eficiente do motor, resultando em uma maior otimização de desempenho. Além disso, esse ajuste também se alinha com o design geral do veículo. Portanto, quando abordamos esse tema, duas vertentes estão interligadas: a evolução da legislação e o desenvolvimento de novas tecnologias de processo de produção, componentes e materiais.
“A tendência global é a redução das emissões de CO2. Na Europa, por exemplo, estão avançando ao ponto de não medir apenas o para-choque a para-choque, como fazemos no Brasil. Em vez disso, estão começando a medir apenas o implemento, permitindo a personalização do tamanho do cavalo, do caminhão, desde que determinados aspectos construtivos, como o raio de giro do veículo, sejam mantidos iguais, garantindo a mesma facilidade de manobra. Este é um dos aspectos em foco”, explica Alekson Felício.
O executivo da DAF prossegue: quando se fala de evolução de design uma das diretrizes é a eficiência energética, ou seja, um caminhão com mais atributos e melhoria aerodinâmica como exemplo com mais aerofólios, aerofólios de dimensões maiores, como saias laterais e fechamentos adicionais. Qualquer turbulência no caminhão pode prejudicar sua aerodinâmica. No entanto, no Brasil, ainda estamos algumas etapas atrás desse cenário de desenvolvimento, levando em conta até diversas restrições de rodovias.
Segundo Alekson Felício, quando falamos em design, também levamos em conta a segurança. Os novos materiais facilitam as novas construções em termos de estilos, mas também reforçam a questão estrutural do veículo, entre outros atributos. A segurança está presente em todos os componentes, incluindo tecnologias como as usadas na confecção de para-brisas maiores e mais resistentes, reduzindo ponto cego, assistente de condução do veículo, câmeras no lugar de retrovisores, entre outros. “Portanto, o design e a segurança caminham juntos sempre”, destaca.
Os faróis também vêm tendo mudanças ao longo do tempo. “Nos caminhões mais antigo, eles eram menores devido restrição ao seu processo produtivo, mas com o passar do tempo, os faróis foram ficando maiores. Com a introdução do farol em LED a tendência é que comecem a diminuir também, já vi essa movimentação ocorrendo em outros países como tendência futura, teremos faróis um pouco menores, sem perder a eficiência”, diz.
Outro especialista que aborda o estilo e design de caminhões é Paulo Genezini, gerente de Sustentabilidade da Scania Operações Comerciais Brasil. “É imperativo otimizar a visibilidade, uma vez que, cada vez mais, a legislação (por exemplo, na União Europeia) tolerará uma menor área de ´pontos cegos´. “Portanto, o design deve contemplar uma posição do motorista que se adeque a essa exigência. Melhorar continuamente o conforto e a ergonomia é crucial, pois é amplamente conhecido que isso contribui para aumentar a segurança e a produtividade no transporte. A aerodinâmica deve se tornar cada vez mais eficiente, visando aumentar a eficiência energética.”
Segundo Paulo Genezini, que reforça as explicações dos demais entrevistados diz que os caminhões “bicudos” foram o design mais intuitivo, para acomodar os motores e o ambiente de motorista e passageiros, derivando-se das primeiras versões de veículos que apareceram no início da indústria automobilística. O “cara-chata” é uma evolução que busca mais eficiência no layout do chassi, aumentando o espaço disponível para carga e mantendo o mesmo comprimento do veículo.
“A Nova Geração de caminhões Scania agora com os motores Euro6 são um exemplo do estado da arte em design e estilo. Cada detalhe externo foi pensado em diminuir o atrito do ar para garantir economia de combustível. Além da máxima segurança para os ocupantes.”
Os caminhões da VWCO também são famosos pelo seu design. Alexandre Oliveira, gerente de Carroceria e Acabamento da Volkswagen Caminhões e Ônibus, retorna no tempo é lembra que “nas duas primeiras décadas dos caminhões VW as mudanças no design foram mais pontuais buscando melhorias no conforto e funcionalidades com maior foco no desenvolvimento técnico. A partir da série 2000 vieram as mudanças mais expressivas no design do exterior e interior, trazendo uma identidade visual coerente entre os produtos e alinhamento com a identidade da marca. O lançamento do Constellation em 2006 foi o grande marco para introduzir um novo design moderno com identidade visual marcante, níveis muitos superiores de conforto e excelência em ergonomia. Se transformou em referência do mercado. O Novo Delivery chegou em 2017 e trouxe a atualização da identidade da marca e um novo salto de refinamento e a introdução de novas tecnologias. Em 2021, o Meteor introduziu novos patamares de conforto e sofisticação”.
No ponto de vista de Alexandre Oliveira “as tendências mais significativas do momento são o uso de elementos de iluminação decorativos (barras de LED) em substituição aos frisos cromados. A introdução de faróis mais compactos com uma assinatura de luz exclusiva no DRL. Design minimalista no exterior, com superfícies mais simples e limpas visando melhor eficiência aerodinâmica. No interior, painéis mais compactos dando maior amplitude ao interior da cabine. Uso de materiais sustentáveis nos revestimentos do interior”.
Alexandre Oliveira continua sua explicação: “o design de caminhões é diferente do design de automóveis de passeio, que tem um apelo mais emocional. O caminhão é uma ferramenta de trabalho e o usuário precisa sentir confiança e solidez desde o primeiro contato com o veículo. Todas as interfaces do produto são pensadas para expressar precisão, qualidade, robustez e eficiência por meio da linguagem de design. Também é dado grande enfoque na ergonomia, usabilidade e conforto devido as longas e exaustivas jornadas de trabalho dos motoristas. Outros aspectos extremamente importantes no design do caminhão são a durabilidade e a facilidade de manutenção, pois influenciam no custo total de operação do veículo.”
“A busca constante por eficiência energética, os novos sistemas de propulsão, a conectividade, as novas tecnologias dos elementos de iluminação e a sustentabilidade são as principais forças modeladoras do design dos novos produtos.
“No exterior, a eficiência aerodinâmica está moldando a forma e a proporção das superfícies e integrando elementos como carenagens laterais e defletores de ar ao desenho da cabine. Os faróis e lanternas com LED deram maior personalidade aos produtos criando uma ´assinatura de luz´ que permite distinguir os veículos VW dos demais veículos nas ruas. No interior, os instrumentos analógicos estão sendo substituídos por displays digitais e a conectividade está introduzindo telas que estão predominando no design do painel de instrumentos. Os materiais e os processos de produção sustentáveis estão sendo utilizados nos revestimentos do interior da cabine e na composição de peças”, diz.
Conforme Alexandre Oliveira “com a profunda transformação tecnológica que vivemos no momento, existe a expectativa de grande demanda por inovações no design de caminhões na próxima década. Nos próximos anos veremos mudanças significativas no formato e na proporção das cabines, visando melhor eficiência aerodinâmica. Além disso, novas tecnologias de propulsão vão proporcionar ou demandar configurações completamente novas. Também veremos o surgimento de veículos autônomos que não vão utilizar cabines em suas operações e trarão novos desafios em relação ao design do produto e identificação da marca”.
Fotos: Divulgação
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