11 de Março de 2025
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O crescente espaço das caminhoneiras

Por Graziela Potenza em 08/03/2025 às 14:24
O crescente espaço das caminhoneiras

Por meio desta matéria, a revista Caminhoneiro presta uma homenagem especial a todas as caminhoneiras. Parabéns pelo seu dia! Viva o Dia das Mulheres!

A presença feminina no setor de transporte rodoviário de cargas tem crescido significativamente nos últimos anos. Tradicionalmente dominada por homens, a profissão de caminhoneiro começa a se tornar mais diversa à medida que mulheres conquistam espaço ao volante. Seja por paixão pela estrada, necessidade financeira ou busca por independência, elas enfrentam desafios diários e rompem barreiras para se estabelecerem no setor.

Dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT) apontam que, embora ainda sejam minoria, as mulheres já representam cerca de 6% dos motoristas profissionais de caminhão no Brasil. Esse número tem crescido gradualmente devido a incentivos governamentais, programas de capacitação e o próprio interesse feminino na profissão. Além disso, grandes empresas do setor têm apostado na contratação de motoristas mulheres, reconhecendo suas qualidades, como maior prudência no trânsito e menor índice de acidentes.

As caminhoneiras geralmente têm entre 30 e 50 anos, são mães e chefes de família, e muitas delas entraram na profissão por influência de parentes ou por necessidade financeira. Algumas optam pela vida na estrada como uma forma de liberdade, enquanto outras encaram a profissão como um desafio pessoal e profissional.

Apesar dos avanços, a vida da mulher caminhoneira ainda é repleta de obstáculos. A infraestrutura das estradas brasileiras, muitas vezes precária, não oferece segurança suficiente, especialmente para as motoristas que precisam pernoitar em postos de gasolina ou pontos de apoio. O assédio e o preconceito também estão entre as principais dificuldades enfrentadas por essas profissionais.

Além disso, a falta de banheiros adequados e locais apropriados para descanso são queixas frequentes. Algumas empresas e iniciativas privadas têm buscado melhorar essas condições, implementando áreas específicas para caminhoneiras, mas ainda há um longo caminho a percorrer.

Oportunidades e perspectivas

Com o crescimento da demanda por motoristas qualificados, muitas transportadoras passaram a investir na formação de mulheres para o setor. Movimento como o “A Voz Delas”, lançado pela Mercedes-Benz para incentivar a entrada feminina na profissão, têm ajudado a reverter o quadro da baixa representatividade. Além disso, cursos técnicos e parcerias entre empresas e instituições de ensino oferecem treinamentos específicos para mulheres que desejam ingressar na profissão.

O aumento da digitalização no setor de transporte também favorece a inclusão das caminhoneiras. Aplicativos de frete, por exemplo, permitem que motoristas autônomas encontrem cargas com mais facilidade, reduzindo a dependência de intermediários e aumentando sua autonomia financeira.

Elas contam suas histórias

Para entender melhor os desafios, conquistas e sonhos dessas mulheres, conversamos com caminhoneiras que estão na estrada todos os dias. Em seus relatos, elas falam sobre as dificuldades enfrentadas, o orgulho de desafiar estereótipos e a paixão por dirigir pelos caminhos do Brasil.

A seguir, confira os depoimentos inspiradores dessas guerreiras das estradas. Patrícia Maria de Jesus Souza é mãe de quatro filhos e carrega consigo uma história de superação, resiliência e paixão pela estrada. Seu sonho de ser caminhoneira nasceu quando tinha apenas seis anos, ao ver sua mãe presentear seu irmão com um caminhãozinho de brinquedo. Naquele momento, despertou nela um desejo que permaneceria vivo por toda a vida.

Na adolescência, Patrícia trabalhou ao lado de sua mãe na colheita de laranjas, onde teve seu primeiro contato real com caminhões. Cada viagem sobre os veículos e cada caixa de laranja carregada fortaleciam a certeza de que sua vocação estava nas estradas.

Entretanto, a vida lhe impôs desafios difíceis. Um acidente grave quase lhe tirou a vida e a de sua filha, fazendo-a acreditar que seu sonho nunca se tornaria realidade. Além disso, passou por um relacionamento abusivo e trabalhou em diferentes funções, como na roça, em carvoaria e como cozinheira de buffet. Durante anos, sua paixão pelos caminhões permaneceu adormecida, guardada em uma "caixinha" dentro do coração.

Foi em 2020 que a esperança ressurgiu. Ao navegar pelas redes sociais, Patrícia se deparou com o movimento "A Voz Delas", da Mercedes-Benz, que incentivava mulheres a ingressar na profissão de caminhoneira. Com um misto de coragem e incerteza, inscreveu-se e, para sua surpresa, foi selecionada. "Jamais imaginei que conseguiria realizar esse sonho, ainda mais em meio a uma pandemia, desempregada e passando por dificuldades", conta. Determinada, concluiu o processo e obteve sua habilitação na categoria D.

Deixar seus filhos com sua mãe para buscar novas oportunidades foi uma das decisões mais difíceis de sua vida, mas necessária. Inicialmente, trabalhou como ajudante, enfrentando obstáculos para fazer a transição para a categoria E. Foi quando um empresário de Uberlândia acreditou nela e lhe ofereceu uma oportunidade. Em junho de 2023, iniciou sua trajetória com rodocaçamba e, com o apoio do movimento "A Voz Delas", realizou o curso na Fabet. "Foi um divisor de águas na minha vida", afirma.

Atualmente, Patrícia dirige um caminhão-tanque no transporte de combustíveis. Além disso, dedica-se a inspirar outras mulheres a ingressarem no setor, compartilhando suas experiências e conhecimentos.

"Meu sonho agora é me tornar multiplicadora e ajudar outras mulheres a conquistarem seu espaço. Somos capazes e temos muito a contribuir para o transporte rodoviário", destaca.

Apesar das conquistas, Patrícia ainda enfrenta desafios, como a falta de segurança e de infraestrutura adequada para as caminhoneiras. Banheiros dignos e espaços apropriados para descanso ainda são escassos.

O preconceito também é uma realidade. "Com outras mulheres, preferi me calar e deixei que meu comportamento falasse por mim. Com os homens, mostrei que não vim para competir, mas para somar", revela. Em diversas situações, foi proibida de usar o banheiro em postos e até mesmo de comprar uma refeição.

Mesmo diante dessas dificuldades, Patrícia segue firme e determinada. Uma experiência marcante foi quando ficou com o caminhão quebrado por três dias em frente a uma fazenda. "O fazendeiro passava e nem ao menos perguntou se eu precisava de ajuda. Pelo contrário, fazia questão de levantar poeira. Foi uma situação dolorosa", relembra.

Patrícia acredita no potencial das mulheres na profissão e defende que as empresas precisam incentivar e dar mais oportunidades. "Somos um braço forte do transporte e estamos aqui para somar. Precisamos de mais conscientização e apoio para garantir nosso espaço."

Seu amor pelos caminhões vai além da direção. Patrícia batiza cada veículo com um nome especial e lembra com carinho da emoção que sentiu ao ver sua mãe presenciar sua primeira viagem como caminhoneira. "Foi um dos dias mais felizes da minha vida", conta.

Atualmente, ela lidera um grupo de apoio a mulheres motoristas e aspirantes, chamado “As Estradeiras”,  onde compartilham experiências e se ajudam mutuamente. "Criamos um espaço para arrumar a coroa uma da outra com muito respeito e parceria", diz. Seu novo sonho é se tornar uma instrutora e continuar incentivando outras mulheres a ingressarem no transporte.

Para Patrícia, a persistência é fundamental. "Nunca desistam dos seus sonhos, pois somos capazes de realizá-los. Basta querer e correr atrás. Sonhar sempre, desistir nunca!", diz. 

Outra caminhoneira é Isabela Leopoldino dos Santos. Desde 2021, ela vem trilhando seu caminho no mundo dos caminhões, um setor tradicionalmente dominado por homens. Sua paixão pela estrada e pelos gigantes de quatro ou mais rodas vem desde a infância, inspirada pelo pai, que sempre esteve nesse meio. No entanto, foi através do movimento "A Voz Delas Mercedes-Benz" que ela encontrou o impulso final para dar o primeiro passo nessa jornada desafiadora.

Ao iniciar sua carreira, Isabela enfrentou descrédito de muitas pessoas ao seu redor. Ninguém acreditava que ela pudesse dirigir um caminhão, principalmente porque nunca havia conduzido um antes, apesar de já possuir a CNH categoria D. No entanto, sua família sempre esteve ao seu lado, oferecendo apoio e incentivo.

"Acredito que o maior desafio foi acreditar em mim mesma. Vivemos em um mundo cheio de preconceitos, e a profissão de caminhoneiro ainda é majoritariamente masculina", relata.

Hoje, Isabela transporta cana de açúcar, sua principal carga, com seus fiéis companheiros de estrada: um Atego 2425 e um Cargo 816. O grande sonho? Um Atego 2425 Amarelo ou, quem sabe, um Actros Estrelas Delas.

As viagens são curtas, mas o trajeto rural não deixa a desejar em desafios. "Haja barro e buracos!", brinca. Mesmo assim, o prazer de dirigir e contemplar a natureza faz tudo valer a pena. Sua rota favorita é justamente essa: as estradas rurais do Vale do Paraíba, onde a paisagem encanta.

Na cabine, a regra é simples: não pode faltar água e uma necessaire com produtos básicos. Pequenos detalhes que fazem toda a diferença na rotina intensa das estradas.

Felizmente, Isabela nunca sofreu preconceito direto, mas os olhares curiosos são frequentes. Até mesmo durante seu exame prático no DETRAN, houve dúvidas sobre sua capacidade. "Lido bem com isso e não deixo o nervosismo tomar conta", afirma.

Ela reconhece que o número de mulheres no setor ainda é baixo e poderia ser maior, mas as barreiras culturais e o preconceito são desafios constantes. Para ela, o segredo está na união feminina: "As mulheres precisam se apoiar mais, ninguém deve competir com ninguém".

"Se você gosta e tem vontade, corra atrás! Não desista dos seus sonhos, por maiores e mais difíceis que pareçam. Somos capazes, sim!", incentiva Isabela.

Ela enxerga um futuro brilhante para as mulheres no setor de transportes e logística. Para isso, acredita que é essencial maior divulgação e investimento, tanto por parte das empresas quanto da sociedade, para incentivar mais mulheres a ingressarem na profissão. "Muitas mulheres têm potencial, mas não acreditam na sua capacidade. Precisamos de escolas e programas específicos para iniciantes", sugere.

Entre tantas experiências marcantes, uma das mais especiais foi sua primeira grande viagem. Atravessar a Rodovia Presidente Dutra e ver a placa entre os estados do Rio de Janeiro e São Paulo, tendo seu pai ao lado, foi um sonho realizado.

Outro momento inusitado aconteceu logo após pegar sua habilitação. Seu pai pediu que ela fosse encontrá-lo em um posto de combustíveis. Ao chegar, ele simplesmente trocou de lugar com ela: ficou com o carro e entregou a direção do caminhão para a filha. "Na hora, o coração acelerou, o pessoal do posto olhava curioso, mas eu fui e fiz o que precisava ser feito. O mais importante é acreditar que sou capaz!".

Hoje, Isabela segue firme na estrada, com seus caminhões, o Atego Vermelho e o Roxinho, levando sua paixão e determinação por onde passa. Com certeza, uma inspiração para muitas mulheres que sonham em conquistar seu espaço no mundo dos transportes.

Outra motorista profissional é Elen Regina Alves, de 28 anos, que atua na Mahnic Operadora Logística. Com quatro anos de experiência na profissão, Elen se inspira no pai, caminhoneiro de longa data, e encontrou na direção a realização de um sonho.

"Desde pequena, vendo meu pai trabalhar com o caminhão, fui motivada a seguir esse caminho. Sempre pensei: 'Quando eu crescer, quero ser igual a ele, também quero ser caminhoneira'. Para minha família, foi um susto, especialmente para minha mãe, porque essa profissão era vista como algo exclusivamente masculino. Mas hoje, ela me apoia e me admira pela minha coragem e responsabilidade. Pego a carreta e sigo pelo mundo afora", compartilha Elen.

No início da carreira, um dos principais desafios para Elen foi lidar com a responsabilidade da carga, garantindo a entrega no prazo e em perfeitas condições. Hoje, ela trabalha com um Scania R440 e afirma que seu maior desejo é trocar por um modelo mais novo do mesmo caminhão, valorizando a tecnologia e o conforto.

A rotina na estrada é bem estruturada: "Meu horário é flexível, paro, faço minha comida, tomo banho, descanso para rodar no dia seguinte", explica. Entre as rotas favoritas, destaca as do Nordeste, que considera as mais agradáveis de percorrer.

Ser mulher na estrada ainda traz desafios, especialmente no que diz respeito ao preconceito. "A gente acaba lidando com isso todos os dias, tanto de homens quanto de mulheres. Alguns te criticam, outros te admiram, mas tem aqueles que falam mal. O importante é não dar atenção a isso, erguer a cabeça e seguir em frente com o seu sonho", afirma Elen.

Ela ressalta que as mulheres estão cada vez mais conquistando espaço na profissão e que já é comum ver muitas caminhoneiras pelas estradas do país.

"A estrada traz riscos e perigos, por isso é fundamental estar preparada para qualquer tipo de situação. Passamos por muitas dificuldades, mas estamos firmes para enfrentar tudo com coragem e determinação."

Para as mulheres que sonham em seguir esse caminho, Elen deixa um conselho: "Seja forte e corajosa, porque essa profissão exige muito. Não desistam dos seus sonhos. As mulheres podem ser melhores em tudo." Ela também acredita que as empresas precisam abrir mais espaço para as mulheres, oferecendo treinamentos e oportunidades para que mais profissionais femininas ingressem no setor de transporte e logística.

Entre tantas experiências na estrada, Elen relembra um momento marcante: a primeira vez que desceu a Serra de Santos. "Colocavam muito terror na minha cabeça. Quando comecei a descer, me deu dor de barriga de medo, mas percebi que não era tudo aquilo que falavam. Hoje, desço tranquila. Foi uma experiência que me fortaleceu."

E se seu caminhão tivesse um nome? "Seria 'Trenzinho da Alegria'. Eu gosto de andar com som ligado, tenho ursinhos na frente, luzes coloridas para todo lado", conta, mostrando que, além da força e determinação, também há espaço para alegria e personalidade na estrada.

Com histórias inspiradoras como essas, fica claro que as mulheres estão conquistando cada vez mais espaço no setor de transportes, rompendo barreiras e desafiando estereótipos. Seu talento e dedicação não apenas enriquecem a profissão, mas também incentivam outras mulheres a seguirem seus passos. À medida que mais iniciativas surgem para apoiar a inclusão feminina nessa área, o futuro do transporte se torna cada vez mais diverso, inovador e repleto de oportunidades para todos.

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