“Oras quem governa são eles. Eles que devem dar a solução”, esbraveja Fonseca.E assim, o Governo foi “levando em banho maria” sem se importar com a situação, não acreditando em uma atitude mais séria por parte deles. No dia 14 de maio, a Abcam, junto com outras entidades de classe e lideranças, começou a se articular. Dia 16 de maio foi enviada uma nova correspondência à Casa Civil. Dessa vez pela CNTA - Confederação Nacional dos Transportadores Autonômos, alertando inclusive para uma paralisação que teria início dia 21 de maio e pedia, de novo, que alguma providência fosse tomada. Como os caminhoneiros perceberam que o Governo não estava preocupado com a situação, resolveram partir para a greve dia 21.
“Nós procuramos a imprensa, redes sociais e como já vínhamos fazendo esse movimento, outras pessoas começaram a se movimentar para a greve nacional,” explica Fonseca dizendo que nas greves anteriores, a pauta de reivindicação era extensa, e nesta, querem apenas uma coisa: a redução do preço do óleo diesel.
“Minha intenção era fazer uma greve sem ninguém sair de casa, porém, existem pessoas vendendo ilusões, querendo se aparecer, dizer que é o dono da boca. Fico na minha, fazendo da maneira correta.”Para o presidente da Abcam, se não fosse feita a greve, até o final do ano não haveria caminhoneiro. “Se a conversa não for positiva, a greve vai continuat,” diz Fonseca explicando que está fazendo o possível e o impossível para essa greve dar certo. “Se não der certo, vou pegar meu chapéu e vou embora derrotado. Depois de tantos anos, sairei derrotado. Acabado”.
“Tenho três caminhões parados,” conta ele. “Mas eu apoio. Estamos na mão de ladrões de uma quadrilha. Na Câmara dos Deputados, se sobrar 10% honestos é muito.”Sasso explica o apoio popular ao movimento falando que os caminhoneiros começaram a paralisação, mas que a causa é de todo mundo. “Eles começaram uma briga que todo mundo gostaria de fazer. Os caminhoneiros descobriram o poder que têm. Se um médico para, chama-se um enfermeiro. Se uim juiz para, chama-se um adovgado. Mas se um caminhoneiro para não há quem chamar. O que eles estão fazendo aqui é sonho de todo o brasileiro.” Falha na comunicação O Governo, que não quis atender as reivindicações dos caminhoneiros, mesmo tendo recebido um comunicado, ao ver-se confrontado com uma greve a qual acreditava não acontecer, resolveu fazer uma reunião com as lideranças dos caminhoneiros. Porém, como não conhece e nunca procurou conhecer esse segmento, acabou deixando de fora da reunião alguns importantes representantes do segmento. O que já não estava bom com a exclusão de algumas entidades representativas dos caminhoneiros ficou pior quando José Fonseca, presidente da Abcam, soube que o senador Eunício Oliveira, presidente do Senado estava em viagem pelo Ceará. “A Câmara Federal fez direitinho a lição de casa. Votou, aprovou e encaminhou o projeto que elimina PIS, Cofins e Cide do diesel, mas o presidente do Senado acha que é o maior brasileiro do mundo, pegou o avião dele, e foi embora. Por causa disso, vou falar para o meu pessoal não levantar a greve até esse homem voltar e votar a emenda para zerar as alíquotas do PIS, Cofins e Cide para o óleo diesel. Só encerraremos o movimento depois da votação desse projeto,” afirmou irritado Fonseca, que deixou a sala das negociações. Rodrigo Maia, o presidente da Câmara, por outra falha de comunicação, aprovou o projeto na “ilusão” de que o rombo para o Governo seria de R$ 3 bilhões. Ao ser alertado por membros do ministério da Economia de que o rombo seria de R$ 12, disse que na verdade o rombo seria de R$ 9 bilhões. Independente de quanto será o rombo, Fonseca saiu da reunião que acabou com acordo onde os caminhoneiros tiveram 12 pontos atendidos (veja box). Porém, por não se sentirem representados pelos homens que estavam na reunião com o Governo, os caminhoneiros não aceitaram o acordo. E a greve continuou. Acordo inútil Perguntado sobre o acordo assinado para o fim da greve, Benedito Andrade disse que o acordo não serviu para nada, tanto assim que ninguém se mexeu porque, segundo ele, quem assinou o acordo não representa a categoria dos caminhoneiros. “Nossas greves não dão certo por falta de união. Uns querem, outros não. Além disso, em qualquer lugar que a gente para, a Polícia metia o cacete,” lembra Andrade. “Hoje, a Polícia não vem porque não tem força para nos impedir. Estamos aprendendo a fazer greve. Estamos em greve, mas não fechamos as estradas. Temos fôlego para aguentar 30 dias ou mais. Até atenderem nossas reivindicações ou acontecer a intervenção militar”. Leandro José Ribeiro, 39 anos e há 20 caminhoneiro, preferiu deixar seu Volvo FH em casa e dar força para os companheiros em greve na porta da refinaria da Petrobras em Barueri, SP.
“É melhor parar o caminhão do que ficar rodando com prejuízo,” afirma ele. “Ou então dar outro rumo na vida. Acho que essa greve vai dar certo. Não tem outro caminho, a não ser parar para que o Governo nos escute”.Segundo ele, a população tem que se interessar porque a gasolina também sobe. No mesmo local, Ricardo Barboza, 40 anos e 20 de caminhoneiro, agitava freneticamente uma bandeira do Brasil. Morador de Jandira, SP, transporta de tudo com seu VW. “Não é apenas o diesel que está pegando irmão. O embarcador está agindo de má fé,” reclama Barboza. “Um frete que custava R$ 1.200, agora estão pagando R$ 900,00. E se eu não aceito tem outro mais desesperado que aceita. Os fretes são tabelados e o Governo tem que fiscalizar. Os empresários estão colocando o preço que quer e os novatos estão perdendo seus caminhões porque não sabem fazer contas, não sabem o custo de um pneu, e assim vão ficando só os veteranos.”
Confiante no sucesso da greve e na ajuda de Deus, Barboza explica que deixou seu caminhão carregado com leite há seis dias. “O leite estragou. Prejuízo meu e do cliente, porém, o cliente entendeu minha situação e disse para eu agir como achasse melhor,” explica ele.Um grupo de caçambeiros se juntou aos caminhoneiros em Barueri e também protestou. “Não é só o preço do diesel que ´pega´ e nem é o pior. O problema é que o preço do diesel puxa tudo. Puxa pneu, manutenção do caminhão. Mas o pior mesmo é o frete baixo,” compara Osni Mansk, 56 anos, 30 anos de caminhoneiro, dono de um Scania P310, 2014. “Estamos parados sem ganhar nada. É melhor ficar parado do que ganhar pouco. Porque se a gente continua do jeito que está, vai chegar uma hora em que não conseguiremos trabalhar mais”. Assim como seus companheiros, ele aposta no sucesso da greve por achar que os caminhoneiros estão mais unidos. Segundo ele, as redes sociais ajudaram muito. “Até quem nunca participou de uma paralisação quer participar, pois não está aguentando pagar as prestações dos caminhões,” diz Masnk. “Com as redes sociais, a gente posta algo no celular e em minutos to do mundo vê. É o pessoal de São Paulo apoiando Minas Gerais, de Minas apoiando o Sul e assim vai.” Ele fez questão de dizer que todas as estradas estão liberadas para a população, e diz que nem era preciso ir para as estradas. “Bastava bloquear as bases de combustíveis que o efeito seria o mesmo. Em uma semana, para todo o Brasil, não precisa trancar a estrada”. Osnni Mansk lembra que os caminhoneiros são a linha de frente da luta. Lutam por eles, mas o benefício será de toda a população. “Algumas pessoas jogam os caminhoneiros contra a população falando que por causa da nossa paralisação haverá desabastecimento,” lamenta Mansk. “É verdade, mas estamos deixando 50% do frete para pagar diesel. Estamos trabalhando com preço de 2010. Não aguentamos mais. Se continuar assim, haverá desabastecimento porque não teremos como rodar com nossos caminhões.” No km 69 da rodovia Castelo Branco, em frente ao posto Doninha, uma concentração de caminhoneiros aguardava uma solução para a crise. “A greve vai dar certo. Tem que dar certo. O diesel não pode custar esse preço. Um litro de gasolina não pode custar quase R$ 5,00. Como um pai de família vai passear com seus filhos com a gasolina a esse preço e o diesel nas alturas?” pergunta Maikon Rocha, 30 anos e há três trabalhando como caminhoneiros, com um Ford Cargo 1317 carga seca. “Vim aqui sem caminhão para ajudar a classe. O certo seria parar todo mundo. Estamos brigando por nós, mas o efeito positivo será para todo mundo. Por isso a população tem ajudado com mantimentos, água, frutas e quentinhas.” Parado há três dias em um descampado na frente do posto Doninha, no km 69 da rodovia Castelo Branco, Edivaldo Honorato, 58 anos, e 30 de caminhoneiro, sorri ao descer do seu Mercedes-Benz 1113, ano 84. “A situação está muito ruim, e faz tempo. E Não é só o diesel, é a situação do País,” lamenta. “Não sei se vai dar certo, mas tem que dar. Espero que realmente funcione para todo mundo. Tem que resolver, o País tem que mudar. Porém, as outras manifestações não deram certo, e não acredito que essa dará.”
Sorrindo e olhando para a estrada, onde era possível ver o rodoanel, ele desabafa. “Dá uma vontade de engatar a primeira e sair correndo,” e solta uma gargalhada. “Mas é perigoso, o jeito e ficar aqui e aguardar. Eu só queria tomar meu remédio para pressão.”Excessos Não houve comunicação entre os membros do Governo, entre os representantes dos caminhoneiros e nem entre eles mesmos. Principalmente entre os que “organizavam” os bloqueios. No bloqueio da Régis Bittencourt, próximo ao Rodoanel, nas duas extremidades, era possível ver homens armados com grandes pedaços de paus. Se a paralisação era pacífica, para que esse tipo de “arma”?. Além de parar caminhões e furgões, por pura ignorância, estavam parando picapes. Picape não é caminhão. Além de parar, abriam as caçambas, como se fossem policiais atrás de droga. Uma picape com três peças de alumino na caçamba foi parada. Na linha do absurdo, pararam um Gol, com algumas caixas de alface que iam para um restaurante. Depois de uma conferência entre seis membros, decidiram liberar o carro com o aviso: “diga para sua empresa não fazer mais isso,” falou um deles como um xerife de velho oeste. O pobre caminhoneiro que foi assaltado, em vez de receber escolta até a delegacia, pois era noite, teve os dois pneus do caminhão esvaziados. A mesma “sorte” teve uma equipe de reportagem que teve um dos pneus do carro esvaziado, apenas porque o jornalista perguntou se era correto esvaziar pneus de caminhoneiros.
E o seu Catrare, de 66 anos, ficou sem tomar seu remédio de pressão por seis dias.Um motorista morreu ao ser atingido por uma pedra. Uma pessoa morreu ao ser atropelada por um caminhoneiro em fuga. Esses fatos mancham uma paralisação perfeita, ordeira, que apesar de não conseguir tudo o que pediu fez grandes avanços. Forças armadas nas ruas Como o Governo viu que a paralisação não acabou, no dia seguinte à assinatura do acordo resolveu tomar atitude mais drástica, colocar as Forças Armadas, as forças especiais e todo o efetivo policial dos estados em prontidão. O ministro da Defesa afirmou que o Governo tinha energia para desobstruir as vias, enquanto o general Sérgio Etchegoyen, Ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República explicou que a medida foi tomada diante do risco de desabastecimento.
O presidente Michel Temer, em discurso de televisão disse que “assim como tivemos a coragem do diálogo, nós temos coragem de exercer autoridade.” Disse ainda que estava colocando todas as forças federais para garantir a livre circulação e, naturalmente, o abastecimento do País. “Acho que o País esperaca uma palavra dessa natureza,” finalizou o presidente.As forças armadas apoiarão a força nacional de segurança e às polícias estaduais. O Ministro da Defesa disse que a principal atividade é preservar as infra-estrutras críticas, preservar o funcionamento das refinaria, portos e aeroportos e evitar o desabastecimento, e deixou bem claro que não haverá nenhuma ação contra o caminhoneiro. O presidente publicou ao decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) com validade até dia 4 de junho o que permite a atuação das Forças Federais nos estados.
“O que estamos notando é a presença de pessoas estranhas ao nosso movimento querendo se aproveitar. A população nos apoiou, os caminhoneiros do bem nos apoiaram, correu tudo na normalidade, com ordem, sem bagunça. Mas agora estamos vendo pessoas estranhas ao movimento querendo tumultuar.”Fonseca disse que se alguém quer tirar o presidente, que espere até outubro nas eleições. “A partir de hoje, quem for multado deverá assumir a punição sozinho. Para a Abcam a greve está encerrada. Foi a maior greve de todos os tempos. Conseguimos tudo o que pedíamos. O PIS/Cofins ficam zerados até o final do ano e o preço do diesel só irá ter aumento em 60 dias. Valeu a pena fazer a greve. A população entendeu nossas razões e nos apoiou”. Texto: Francisco Reis Fotos: Amanda Gouveia e Francisco Reis.
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