Na década de 50, o Tabuleiro da Baiana era um ponto de parada da velha e poeirenta Rio-Bahia. Na verdade, o Tabuleiro era um posto de abastecimento com quartos para dormir e um razoável restaurante. A maioria dos ônibus que vinham do nordeste paravam por ali, pois, não dava para fazer uma viagem direta. Os motoristas faziam as suas conquistas amorosas na viagem e paravam para dormir no Tabuleiro onde partilhavam do mesmo quarto com alguma das ilustres passageiras, sempre a fim de uma aventura com os irresistíveis amantes.
As pensões de beira de estrada no Brasil foram as antecessoras dos famosos motéis. Uma grande casa cheia de quartos separados por um corredor. Para cada fileira de quartos, uns dez ou mais, havia um banheiro. Um só, pra uso do homem como da mulher. Assim, não era fácil usar o banheiro e como muita gente não conseguia ou não tinha paciência para esperar, usava o infalível urinol para fazer as suas necessidades.
Era comum o viajante chegar tarde da noite, cansado, ocupar um quarto e sentir no ar que a arrumadeira não tinha levado o urinol da noite anterior. Uma barra!
O urinol era uma peça obrigatória naqueles tempos do banheiro coletivo. Tinha gente muito escrupulosa que levava o seu de casa nas viagens. Vi alguns sendo carregados por mulheres sem o menor constrangimento. Existiam os de barro vendidos nas feiras. Gaiatos perguntavam: “penico de barro dá ferrugem?” Eram comuns os esmaltados e os de alumínio. Mas, também tinha os sofisticados, de louça e bem caros decorados com flores ou com figuras femininas e masculinas que serviam também como objeto de decoração. Dependendo do grau de intimidade, o urinol era chamado por muitos de penico. Na gíria, “pedir penico” é entregar os pontos, acovardar-se, amedrontar-se, vencido. O que de certa maneira faz sentido pois, quando se “pede o penico”, é porque a coisa está feia.
Carregar ou ter um penico num quarto de pensão na velha Rio-Bahia até que não tinha problema, porque muita gente usava o mato em redor das pensões. Já tomar um bom banho de chuveiro não era tão fácil assim, pois não inventaram até hoje a ducha portátil.
Na hora em que chegava um ou mais ônibus, e eles andavam aos pares, o corredor se enchia de gente com sabonete, toalha, bucha e todos os apetrechos possíveis e imagináveis para tirar a poeira que ficava entranhada nos poros. Mesmo depois do banho, a poeira parecia que voltava de dentro da pele, aflorando e o braço ficava sujo novamente. Com os corredores cheios, o jeito era procurar o ribeirão mais perto ou recorrer à velha mangueira de lavar carros no pátio do posto que se transformava em banheiro coletivo.
Como as boléias daquele tempo do pó - no bom sentido, é claro - eram apertadas, quando dava, a gente dormia numa cama de pensão bem esticada. Porém, na pensão existiam outros problemas além do banheiro. Sempre acontecia das crianças acordarem a noite gritando pela mãe que andava escutando histórias nos quartos dos motoristas. Se a mãe não atendia, as crianças saiam pelo corredor batendo em todas as portas. Como em alguns quartos a fechadura não funcionava, era comum uma criança entrar chorando e encontrar a mãe no quarto errado e na hora errada.
Quando asfaltaram a Rio-Bahia, os modernos ônibus das grandes empresas não pararam mais no Tabuleiro e logo ele passou a fazer parte do folclore da velha estrada.
Longe dela há algum tempo, não sei se o Tabuleiro ainda existe. Nunca esqueci do lendário posto de parada encravado no alto do planalto. De lá se via caminhões e ônibus levantando poeira, carregando os sonhos e a esperança de quem ia tentar a vida no sul do País. O Tabuleiro da Baiana vai ficar para sempre na memória e no coração de todos os viajantes que tiveram, ou têm, a felicidade de conhecê-lo.
Texto: Henrique LessaIlustração: Fausto Bergocce