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Ser ou não ser?

Por Revista Caminhoneiro em 17/07/2019 às 10:40
Ser ou não ser?

Entrevistamos mães, profissionais do volante (os filhos) com intuito de contarem um pouco como é ser caminhoneiro. O resultado foi que muitas não querem que as novas gerações sigam essa carreira.

Por: Graziela Potenza

O velho ditado popular “Ser mãe é padecer no paraíso”, não é bem assim. Ser mãe, de fato, é uma dádiva divina. A maioria está alerta 24 horas por dia, independentemente da idade de seu filho. E mãe de caminhoneiro não é diferente. Estão constantemente preocupadas no que tange a riscos de assaltos, acidentes devido à má conservação das estradas nacionais, desvalorização da carreira, entre outros obstáculos que são bem conhecidos pelas mães desses profissionais e de boa parte da sociedade brasileira.

Apesar de ser uma bela profissão e tão importante para a economia do Brasil, os netos e os filhos de caminhoneiros não contam com os incentivos de seus avôs e pais para abraçarem essa linda e ao mesmo tempo dura profissão. Eles preferem ser engenheiros, advogados, comerciantes, enfermeiros, entre outras.  

Elaine Bueno é um exemplo de mulher que concilia a profissão com a linda dádiva de ser mãe de dois filhos, Raphael de 25 anos de idade e Raphaela de 23 anos. Ela dirige um Agrale 9200 no qual reveza a direção com o seu marido, Cristiano Bueno, que também é caminhoneiro. 

Apesar de ser apaixonada pela profissão desde menina, Elaine Bueno não gostaria que os mesmos seguissem essa carreira. “Sinceramente não. Hoje, somos bastante desvalorizados e a insegurança aumenta a cada dia. Passei algumas privações e lutei para que eles pudessem estudar e seguir outra profissão.”

Matilde Batista dos Santos, Elaine Bueno e Joaquim Golçalves dos Santos

Filha de dona Matilde Batista dos Santos, Elaine Bueno, lembra que sua mãe tem 72 anos de idade. Dona Matilde considera profissão de sua filha muito perigosa pelo fato de muitos motoristas, de todas as categorias, serem irresponsáveis e causarem muitos acidentes. “Claro que não podemos generalizar”, diz dona Matilde falando que não quis que os seus netos seguissem a mesma profissão de Elaine e Cristiano.  

Infelizmente, o medo constante faz parte da vida da simpática  dona Matilde em relação à sua filha Elaine. “Tenho muito receio de alguém assaltar Elaine ou sequestrá-la, acabando em morte”, diz enfatizando que a profissão é muito preocupante.

Mas tudo na vida tem o seu lado bom. Dona Matilde gosta de receber de sua filha Elaine informações e fotos das regiões por onde ela passa. “Todos os lugares que visito procuro registrar e mostrar a ela, contando os detalhes e peculiaridades, procuro sempre me informar da história do lugar, explica Elaine Bueno que desde o início não contou com o incentivo de sua mãe para ser caminhoneira.

No entanto, sua paixão vem desde pequena. “Tem um fato curioso que aconteceu comigo. Meu pai, Joaquim Gonçalves dos Santos, era chefe do Departamento de Hidrometria na antiga Companhia Energética de São Paulo (Cesp) e todo final de ano os filhos dos funcionários ganhavam um brinquedo de presente na confraternização anual. Eu deveria ter uns 7 anos e lá “no grande almoço” eles distribuíram na frente de todos os brinquedos. Recebi o meu e abri toda empolgada. Para minha surpresa era um belo caminhão de bombeiros todo vermelho. Pensei: - Que legal, sempre ganho bonecas. Eu festejei e fui toda feliz para a mesa mostrar para o meu pai. Mas, descobriram que tinham trocado o meu presente com um garoto da mesma idade e minha mãe veio me explicar que ocorreu um erro ao entregar os presentes e que aquele não era o meu. Na hora, agarrei o caminhão e disse: - Esse bombeiro vermelho é meu. Falaram o meu nome na entrega. Não vou devolver e não vou trocar. Tenho um monte de bonecas e nenhum caminhão. Lembro-me que minha mãe ficou desesperada, pois o menino estava chorando pelo brinquedo. No entanto, não adiantou nada. Eu fui bem feliz para a minha casa exibindo o meu primeiro caminhão”, lembra rindo e se explicando que sempre se comovia com as outras crianças, mas acredito que pelo fato de ser vermelho, eu simplesmente apaixonei-me pelo caminhão. 

Elaine Bueno manda uma mensagem para todas as mães: “Deus abençoe todas as mães, em especial, as que têm filhos todos os dias nas estradas. Apesar da preocupação é sempre bom ver seu filho feliz e desenvolvendo o trabalho com amor. É sempre uma alegria retornar para a minha casa. Que Deus abençoe a todas em especial a minha filha que também é mãe.”

Cristiano Bueno, Rosana (sua mãe), Elaine (esposa do Cristiano) e Raphael (filho do Cristiano)

 Cristiano Bueno, 25 anos de estrada, esposo de Elaine, leva no seu Agrale mudanças, ou carga em geral. Ele fala de sua mãe Rosana Antonia de Oliveira, 65 anos, que reside em Chavantes, interior de São Paulo, com muito carinho. “Amo minha mãe”, diz.

Dona Rosana também troca carinho com o seu filho: “Também amo você filho.”  Ela lembra que ser mãe de caminhoneiro é ter a sensação de preocupação e alegria ao mesmo tempo. “A profissão é perigosa, não era o meu sonho para ele e nem para os meus netos, no entanto foi o que Deus preparou.”, diz a senhora Rosana enfatizando que o caminhoneiro brasileiro é pouco valorizado em todos os sentidos.

Por outro lado, o que ela mais gosta é quando viaja ao lado de Cristiano. “Quando há oportunidade eu acompanho ele em algumas viagens e conheço muitos lugares, mas também vejo as dificuldades impostas nas estradas como a falta de pontos adequados de parada. Desde pequeno ele já gostava de caminhões. Ele vivia deitado no chão brincando de carrinho e caminhão com seus amigos”, comenta Dona Rosana.

Ao ser questionado Cristiano se gostaria que seus filhos seguissem a sua profissão, ao contrário de Elaine respondeu pensativo e rindo: “Sim e não. Sim, porque amo o que faço, seria interessante ver eles dando continuidade. E não porque atualmente estão formados e batalharam bastante para concluir a universidade, assim como eu e minha esposa dedicamos para que eles estudassem.”
Cristiano Bueno também envia um recado às mães e para quem segue essa profissão: “Que possamos entender que nem sempre é fácil, mas se confiarmos em Deus, ele guarda os nossos filhos. Deus abençoe a todas, em especial, às mães.”

Difícil aceitação

Beatriz ama a profissão, mas fica triste porque sua mãe nunca entendeu sua opção

A rejeição por parte da mãe de Beatriz Florentino foi grande quando soube que a filha seria caminhoneira. Por causa dessa escolha não se falam até hoje. “Adoro a minha mãe, mas nunca contei com o seu apoio”, diz com lágrimas em seus sonhos. “Tenho muita honra de ser motorista profissional. Sou caminhoneira desde 2005 e resido em Suzano, interior de São Paulo. Trabalho com baú na empresa Fonte Nova, localizada em Campinas, SP. Comecei cedo nessa profissão. Minha paixão por caminhão foi pelo desafio de mostrar que nós mulheres somos capazes de ser uma ótima profissional”, diz Beatriz fazendo questão de enfatizar que a Fonte Nova dá valor aos motoristas e às mulheres caminhoneiras.

Beatriz ainda tem esperança que um dia sua mãe se orgulhe e fale bem do seu trabalho. “Apesar dessa situação, eu tive forças e coragem para me especializar, aprender e crescer nessa profissão, tanto que estou numa boa empresa que me deu oportunidade e condições. Até o momento sou a única motorista mulher nela”.  

No entanto, Beatriz não está só nessa paixão. Ela conta com o incentivo de duas importantes pessoas: seu esposo, Wagner Florentino, e seu filho Marcos Miguel Gonçalves Berbel Florentino, de 19 anos, que faz faculdade de Engenharia Química. “Eles são o meu porto seguro na vida e na minha profissão”, diz Beatriz.

“Meu filho me apoia e me acha guerreira em dirigir uma carreta gigante. Ele sempre comenta que eu desafio todos os limites e brinca que dirijo melhor que o seu pai”, fala rindo Beatriz. 

de Beatriz, Marcos Miguel, tem orgulho da profissão de sua mãe

Outro profissional de estrada é Joaquim Pereira Anunciação Filho, conhecido como Jóca, está na estrada há 16 anos, e hoje trabalha na Cargolift, uma empresa que tem como base a valorização dos seus motoristas profissionais. Joaquim é filho de Zeli Maria Jacques Anunciação, de 69 anos de idade, que reside na região de Araucária, PR. Ela também acha a profissão muito perigosa. “Tenho medo que ele se envolva em um acidente. Ser mãe de caminhoneiro é muito complicado, mas logo que Joaquim manifestou o seu desejo de abraçar essa carreira eu dei total apoio”, diz dona Zeli.

 Andre Felipe Dilberti, 9 anos de estrada, também trabalha na Cargolift dirigindo uma carreta sider no transporte de carga automotiva. Filho de Iria Lucia Eli, 57 anos de idade, contou com o apoio de sua mãe quando escolheu ser motorista profissional. “Tenho orgulho do meu filho. É uma profissão muito importante que exige muita atenção e responsabilidade, porém perigosa.” Como as demais mães de caminhoneiros, dona Iria tem medo que André Felipe seja assaltado ou se envolva em um acidente. “Tenho esses receios, mas sou feliz em poder vê-lo exercer uma profissão que realmente ele é apaixonado. Sou orgulhosa, mas gostaria que todos os caminhoneiros brasileiros fossem mais valorizados já que precisamos muito deles”, diz Iria.  

Segundo Markenson Marques, diretor Presidente da Cargolift, em 2019, a empresa completa 25 anos de atividade e desde a sua fundação temos um valor chamado respeito pelas pessoas. Com relação aos motoristas, a Cargolift foi a primeira empresa no Brasil a oferecer os uniformes com as faixas refletivas nas calças dos motoristas para que quando descessem dos caminhões, à noite, fossem facilmente identificados pela claridade dos faróis dos veículos, evitando os atropelamentos. O cuidado com o motorista vem há tempo, antes da lei de controle de jornada do caminhoneiro. A Cargolift já controlava o tempo máximo que o motorista poderia ficar acordado para que ele não se envolvesse em um acidente por causa da sonolência ao volante. Não é à toa que ganhamos o Prêmio Volvo de Segurança no Trânsito, recebemos a homenagem na Suécia, em 2009. Criamos o Programa Acidente Zero dentro da nossa empresa e o Programa Agregado Seguro destinado aos motoristas agregados. Na verdade, o princípio é o mesmo. A gente forma grupos de motoristas para que um acompanhe o outro, fiscalize o outro para não ter excesso de jornada. Não acontecendo ocorrência de acidentes, eles ganham prêmios.

Joaquim Pereira Anunciação Filho e sua mãe Zeli Maria Jacques Anunciação

Outro programa para os motoristas da Cargolift é o PL (Participação de Lucro) Sócio do Padrão. “Compartilhamos 20% do resultado excedente a meta. A gente manda mensalmente para os e-mails das esposas dos motoristas um balancete do faturamento, das despesas e dos custos com os resultados dos caminhões que cada motorista trabalha. Essa é uma maneira de se ter transparência e respeito com o profissional do volante, mostrando que somos sócios sim. Na Cargolift nunca teve e nunca terá um cadeado no tanque. O dia em que eu fizer isso, direi à sociedade que nem eu confio naquele motorista. É um absurdo. Então, como um cliente poderá confiar uma carga para ser transportada por um dos nossos motoristas? Além disso, jamais vai ter uma placa na traseira dos nossos caminhões como estou dirigindo? Isso é outro absurdo. Uma total falta de consideração para com o motorista que está dirigindo aquele caminhão, representado a empresa.”

Iria Lúcia Eli é mãe de André Felipe Dilberti que sempre apoiou a profissão de seu filho

Os motoristas da Cargolift sempre usaram camisa branca com gola. “A gola mostra respeito que é uma profissão honrada. Jamais forneceremos camiseta. Caminhão na Cargolift não é para quebrar e para o motorista andar limpo e arrumado igual uma equipe de Fórmula 1.”

O mais recente Programa é o Rally de Pontualidade da Cargolift Logística. Muitas transportadoras têm uma cultura que se o motorista adiantar uma viagem tem mérito. “Aqui tem demérito. A gente honra o motorista que chega na janela programada. Não queremos que cheguem antes do planejado e nem depois. Isso exige de quem planeja a viagem do nosso grupo de gestão, faça um planeamento adequado que o motorista siga viaje em segurança e tenha boa produtividade sem ficar exposto a riscos de acidentes ou excesso de carga de trabalho. Assim que trabalhamos. Nós fazemos uma pesquisa de satisfação de clima interno que envolve os motoristas. São mais de 500 funcionários. A maior parte responde a pesquisa de forma anônima. As respostas são sinceras e o resultado foi: mais de 85% se dizem felizes em trabalhar na Cargolift”, finaliza Markenson Marques.

Markenson Marques, diretor Presidente de Carglif (centro) e os motoristas André e Joaquim
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